Um dia desses, precisei preencher uma ficha, e tinha lá o campo "endereço". Fiquei na dúvida. Porque por mais de 15 dos meus 20, quase 21 anos, morei na mesma casa em Taubaté, e agora, enfim, vou me mudar. É verdade que nos últimos quatro anos estive em São Paulo, e tive dois endereços por lá até esse mês de fevereiro, e provavelmente tenha que procurar um terceiro em breve, mas nunca deixei de morar aqui. Na minha casa, no meu sobrado amarelo.
Eu, meu irmão e o finado Sheik em uma das nossas primeiras visitas à então nova casa |
Sem hipocrisia de não poder me apegar a coisas materiais, sem essa de "classe média sofre" e o escambau. Eu sei que muita gente gostaria de morar onde vou morar, sei que pode ser futilidade pra meio mundo. Mas pra mim não é. Porque uma parte da minha vida aconteceu aqui. E, considerando que foram mais de 15 anos em quase 21, é uma parte bem significativa, e quero poder lamentar em paz o fato de que esse lugar não é mais meu.
Como eu disse, eu sei que muita gente gostaria de morar no apartamento em que eu vou ficar de agora em diante. Eu mesmo não tenho nenhum problema com ele (apesar de sentir muito a diferença de tamanho). Mas é impossível pra mim simplesmente virar as costas e sair andando atrás do caminhão de mudanças.
O ponto aqui é que cada canto dessa casa vai me deixar muitas lembranças diferentes e especiais. De pessoas que passaram por aqui, ou frequentavam, ou moravam. E, principalmente, de mim mesmo e do meu crescimento. Lembro como se fosse hoje de brincar pela casa toda, de assistir desenhos na sala com o meu irmão até meus pais chegarem do trabalho. De ficar até mais tarde no computador do escritório ou de dormir cedo pra aula do dia seguinte. De ficar no meu quarto, que fica na parte de cima, e ouvir as risadas e conversas dos meus pais com os amigos na cozinha, sempre às quartas-feiras à noite.
No fim, durante todo esse tempo, todos os cômodos passaram por mudanças. Uns mais, outros menos, mas não são os mesmos de 15 ou 16 anos atrás. O sobrado enfim ficou amarelo. Paredes foram pintadas ou sumiram, camas mudaram de lugar, pisos foram trocados. Mas pra mim essa casa ainda é exatamente a mesma casa que vim conhecer, ainda sem pintura nenhuma, com a minha família e meu cachorro (que infelizmente morreu há alguns anos).
Sempre soube o quanto sentiria falta daqui. Quando meus pais falavam em mudança, até hoje não sei se a sério ou na brincadeira, eu não aceitava de forma alguma e chorava sangue se fosse preciso. Em 2009, quando fui estudar em São Paulo, voltava pra casa aos fins de semana, e durante os outros dias percebia o quanto sentia saudades.
A nostalgia é algo recorrente pra mim, acho que já deixei isso bem claro em várias ocasiões. E em uma mudança tão grande como essa, ela é inevitável. Fotos, objetos, tudo traz de volta as lembranças nesse momento. Mas nada disso quer dizer que estou preso a essa casa ou preso ao passado. Eu vou dar o próximo passo, vou seguir adiante, mas não quero que nada do que aconteceu nessa casa seja esquecido. Mudar não implica deixar pra trás o que marcou a nossa vida. E como a vida é feita de mudanças subsequentes, temos que aprender a caminhar, sim, sabendo o caminho que estamos seguindo, mas sem esquecer de onde viemos. Portanto, eu sei que é hora de olhar pra frente e entender que é assim que o mundo funciona, mas quero me permitir lembrar com carinho de tudo que vivi nesse lugar.
Coincidentemente, há cerca de duas semanas, comecei a ler "As vantagens de ser invisível", de Stephen Chbotsky, aqui no sofá de casa, onde estou sentado nesse momento. E terminei quatro dias depois, sentado numa cadeira na varanda do apartamento em que vou morar a partir de agora. O personagem principal, Charlie, que conta sua história por meio de cartas a um destinatário não revelado, diz em determinado momento que "as coisas mudam (...) e a vida não para para ninguém." E ele não poderia estar mais correto. A vida é composta por fases, e uma delas acaba de chegar ao fim pra mim. Porque o tempo passou, e agora é hora de mudar. E de dar adeus ao meu sobrado amarelo.